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segunda-feira, maio 12, 2008

Rui Costa 


Há três facetas na carreira de jogador de Rui Costa, que conjugadas fizeram dele algo de especial. A primeira faceta, a mais óbvia, é referente ao seu enorme talento dentro de campo. Ao contrário de Cristiano Ronaldo ou Ronaldinho Gaúcho, para quem o futebol é o meio pela qual expressam as suas capacidades, para Rui Costa o futebol sempre foi o fim em si mesmo. Não é preciso saber nada sobre futebol para apreciar as jogadas do extremo do Manchester United e do craque brasileiro. Raramente foi assim tão óbvio o talento de Rui Costa, pois este não estava no que fazia individualmente, mas sim no que permitia que os outros fizessem com o seu talento. E no entanto era extraordinária a elegância e a inteligência com que se movimentava em campo, ligando jogadas, proporcionando passes magistrais, fazendo com que em seu torno a sua equipa jogasse futebol, na mais rica expressão que o termo pode ter.
Rui Costa sempre combinou este dom com um outro, igualmente em falta crescente no futebol mundial (e não só) - carácter. Não me lembro de alguém alguma vez ter feito referência à sua falta de profissionalismo, honestidade (dentro e fora de campo) ou desinteresse. Pelo contrário. Se prova maior fosse necessária, a forma como adeptos e dirigentes da Fiorentina e AC Milan recordam o 'maestro', tudo dirá. Como o próprio salientou na conferência de imprensa, sempre tentou ser o melhor profissional possível, sem nunca ter ocultado as suas cores. E essa é a sua terceira faceta extraordinária.
Nunca antes tinha visto um jogador chorar depois de marcar um golo. Mas aquele golo de Rui Costa com a camisola da Fiorentina contra o Benfica, celebrado pelos adeptos da Luz como se do Benfica tivesse sido foi sem dúvida um dos momentos mais extraordinários que vi num campo de futebol. Um jogo de futebol obedece a uma ilusão, à ilusão de ser uma metáfora da guerra, da confrontação entre nós e o outro. Nesse sentido essa construção do outro não abre espaço para considerar o adversário como um de nós. Nesse dia, no entanto, essa 'máscara' caiu por terra e Rui Costa chorou por marcar um golo contra o seu clube e os adeptos benfiquistas celebraram o golo marcado por um deles, mesmo que estando do outro lado. No fundo, para os adeptos do Benfica, Rui Costa sempre foi isso mesmo, um deles.
Por tudo isto, e mesmo sabendo que continuará ligado aos destinos do clube, ontem custou muito ver Rui Costa deixar o relvado.

Futebol 

Tem sido pouca a vontade de escrever sobre futebol. Seja pelo facto de em Portugal, à fraca qualidade do futebol, se ter agora juntado a ilusão de justiça (só pode ser ilusão quando é possível distinguir entre tipos de corrupção e quando é possível pelo mesmo crime castigar os culpados envolvidos com penas referentes a diferentes crimes), seja pelo facto de o futebol europeu ter passado a ser a Taça de Inglaterra (e a Taça de Inglaterra o pão dos pobres), seja ainda pelo crescente distanciamento entre adeptos e clubes, tanto pela forma como estes exploram aqueles (em Inglaterra há pelo menos três clubes criados por adeptos, depois de considerarem não mais se reverem nos seus próprios clubes, a saber, Manchester United, Liverpool e Wimbledon), como pela forma como estes passaram a funcionar de forma totalmente despótica, sem nenhuma consideração pela opinião geral (os casos do despedimento de Mourinho, ou agora mais recentemente de Sven Goran Erickson, são bons exemplos disso mesmo), a verdade é que o futebol perdeu interesse. Curioso dizer isto na mesma altura em que a Primeira Liga Inglesa apresenta um número crescente de espectadores ou numa altura em que é visível o crescente impacto mediático do futebol a nível global. Resta saber se esse impacto, por ser mediático, não se poderá desvanecer assim que outros mediatismos se afirmem mais interessantes.
À vaga de adeptos de futebol (e não me refiro aqui a uma eventual tribo do futebol, tal como descrita por Desmond Morris, mas sim a todos aqueles que vivem o futebol, independentemente da intensidade, pelo prazer da modalidade, quer ao nível estético, quer ao nível social - sentimento de pertença) juntou-se a vaga dos mediatizados, isto é, todo um grupo de seres humanos cujo interesse primário por um determinado fenómeno social não está ligado ao fenómeno em si, mas à cobertura mediática de que é alvo - vulgo 'estar na moda'. A questão que fica, e obviamente em relação a isto não há dados estatísticos, é o que será do futebol quando tal mediatização diminuir, quando uma outra modalidade se afirmar no panorama mundial. Eu sei que visto de Portugal onde o futebol carece de superlativos de mediatização nestes últimos anos (em constraste com o vazio dos estádios - talvez uma prova dessa tal diferença entre adeptos de futebol e espectadores mediatizados) parece ser difícil considerar tal cenário. Mas é bem possível que aconteça, quanto mais não seja numa lógica puramente empresarial (a recém criada Primeira Liga Indiana de... cricket poderá ser um caso a seguir...). Quando isso acontecer e os mediatizados forem para outras paragens interessará saber o que fica do futebol.
A memória futebolística de Rui Costa ficará certamente. E foi a despedida desse grande jogador que me fez hoje voltar a escrever sobre futebol.

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