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segunda-feira, agosto 28, 2006

Vítimas-consumidoras 

Quando o Belenenses foi surpreendentemente arredado da I Liga na última jornada da época 2005/2006, apesar da tristeza de ver dois históricos descer na mesma época, sobrava a alegria de ver a saúde do nosso campeonato, onde ninguém estava a salvo de nada, onde a competição era para todos. Puro engano. Na verdade, a época 2005/2006 não só não acabou aí, como ainda continua, entrando pela época 2006/2007 adentro.
Independentemente de quem tem razão, fica a nu toda a incompetência que gira em torno do futebol português, para não dizer internacional. A nível nacional soa a inacreditável que uma decisão relativa à época anterior seja tomada a dois dias do início da época seguinte. Só por este facto cabeças deveriam rolar na Liga, mas não rolaram. Em termos desportivos a Liga simplesmente não cumpriu o seu dever, não zelando pelo bom funcionamento da competição. Mas mesmo para quem não liga muito a esse tipo de questões, podia ao menos ligar à dimensão económica que gira em torno do futebol. Quando começa o campeonato inglês sabe-se à partida todos os adversários, dias, horas e canais em que os jogos vão ser transmitidos. Coisa simples que não exige muito mais do que usar a cabeça para fazer um planeamento anual, quando o sorteio para o campeonato já o é. Imagine-se agora esta lógica aplicada a Portugal. Não basta o facto de normalmente só se saber os dias e horários dos jogos poucos dias antes de estes se realizarem, como agora já temos casos de não se saber quem é o adversário. Casos no plural, pois atendendo ao que está a acontecer no Caso Mateus, o mais natural é que as equipas que na próxima semana iam jogar com o Gil Vicente fiquem como o Benfica esta semana ficou, sem saber muito bem o que fazer. Podem pelo menos ter o bom senso de não se pronunciarem de forma triste, como fez o Presidente do Benfica.
Mas não só a nível nacional levanta este caso problemas. A nível internacional o recurso do Gil Vicente aos tribunais vem lançar o debate sobre a autoridade da FIFA para querer impedir os clubes de o fazerem. Em boa verdade, também a esse nível a competência entre os dirigentes não é grande, com a agravante de se limitar a um restrito grupo de pessoas - Havelange, Blatter, Platini e pouco mais. A mais importante instância não-governamental do mundo é gerida de forma opaca e tenta que a nível nacional essa mesma opacidade seja regra. Essa tentativa de fazer com que os clubes vivam no mundo da fantasia teve já graves consequências, quando o mundo do futebol acordou para o caso Bosman, só para dar um exemplo.
A FIFA pretende que os clubes obedeçam às regras nacionais quando se trata do pagamento de impostos e que tenham em consideração as necessidades da nação quando se trata de libertar jogadores a peso de ouro para as selecções nacionais fazerem jogos de preparação contra os Cazaquistões do nosso mundo, mas não querem que usufruam das regras e do Estado de Direito que vigora nos seus países quando se trata de verem os seus direitos garantidos. Não sei quem tem razão no caso Mateus, tal como não sei se a Juventus tem razão para recorrer aos tribunais em Itália. Sei contudo que nem os organismos nacionais, nem os internacionais dão segurança suficiente aos clubes para que estes se limitem às instâncias do futebol. E se se pretende que estes não sejam tratados de forma diferente quando se trata de lhes exigir responsabilidades perante o Estado, não se pode então exigir que estes não usufruam dos seus direitos quando necessário.
O que em última análise toda esta situação faz transparecer é a total desadequação das instituições do futebol à realidade do século XXI, tanto a nível nacional como a nível internacional. Alguém aprenderá alguma coisa com tudo isto? Ou continuarão os adeptos a ser as vítimas do costume, sem saber se o seu clube desce ou sobe, sem saber se no dia a seguir hão-de fazer 400 km para ir ver um jogo para o qual até já tinham bilhete, sem nada poder fazer, como no caso italiano, quando a sua equipa é relegada para a segunda divisão por mau comportamento dos seus dirigentes, sem que estes sejam devidamente responsabilizados pelos seus actos?
O que é mais curioso é que são estas mesmas vítimas que sustentam a economia do futebol,comprando cativos, camisolas, revistas e gastando boa parte do ordenado ora em viagens ora em em assinaturas de canais de televisão com os exclusivos de encontros que se disputam à Segunda-feira à noite. São, o que poderíamos chamar, de vítimas-consumidoras.

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