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quinta-feira, dezembro 09, 2004

Identidades 

A identidade dos clubes é algo que evolui com os tempos, não é estanque. Vide os três grandes, por exemplo. O Benfica foi passando, progressivamente, de um clube lisboeta, para um clube de abrangência nacional. As excelentes prestações na Taça Latina nos anos 50, foram, nesse aspecto, decisivas. Os anos 60 só serviram para reforçar essa posição, tornando-o, definitivamente, no clube mais popular do país e mais conhecido no estrangeiro. A identidade do Benfica adquiriu uma dimensão vencedora, os seus adeptos viviam de vitórias, um pouco à dimensão da identidade que o Real Madrid foi construindo em Espanha. Ora, essa identidade foi-se diluindo nos anos 90, quando o Porto se tornou no principal coleccionador de troféus e o Benfica foi acumulando crises. Tendo os anos 60 como ponto de referência, a identidade do Benfica faz-se hoje de nostalgia das grandes vitórias (uma Taça de Portugal, anteriormente muito festejada, hoje pouco serve de consolo para um contexto em que é a Champions League que dita o sucesso no futebol europeu) e da sensação, que, apesar de tudo, ainda é o clube mais popular do país. No entanto, o clube conserva a sua própria imagem, não se misturando com nenhuma outra, a não ser, em parte, a de Eusébio.
Dos três grandes, o Sporting é o que tem tido uma evolução mais difícil de definir. Clube criado e frequentado pelas elites, foi-se popularizando nos anos 50, com os 5 violinos e, mais tarde, com a vitória na Taça das Taças. A crise dos anos 80 e 90 alterou profundamente a identidade sportinguista: não encetou pelo caminho da nostalgia, como faz agora o Benfica, mas sim pelo caminho da diferença - era (e ainda é) frequente ouvir-se dizer que o Sporting 'é um clube diferente', onde o sucesso não era tudo, onde o ecletismo era mais importante que as vitórias a todo o custo no futebol. Os sucessos no ciclismo e atletismo e o formato olímpico do velho José de Alvalade, ajudaram a fazer passar essa imagem.
Com a chegada de Roquete, o Sporting voltou a mudar, se bem que só parcialmente. Agora, além de diferente, passou a ser um clube moderno, o primeiro clube-empresa do país. O regresso às vitórias no final da década de 90 ajudaram a consolidar essa imagem de vitória pelo rigor, sendo o segundo aspecto mais importante que o primeiro. Contudo, tudo isto assenta na ideia base da alternativa - num mundo corrupto como o futebol, o Sporting pretende-se apresentar como um actor sério e honesto. Presidentes populares como Sousa Cintra, poucas hipóteses têm de sobrevivência, pois seguem um modelo mais parecido com os adversários da Segunda Circular, focado, sobretudo, nas vitórias.
Por fim o Porto, o caso mais fácil de análise, pois só tem dois períodos a assinalar: o antes e o pós- Pinto da Costa. Até ao início da década de 80, era claramente um clube regional, que ocasionalmente contrariava a hegemonia dos de Lisboa. As pessoas eram do Porto, tal como em Guimarães eram do Vitória, porque esse era o clube da região. Com a chegada de Pinto da Costa tudo mudou. O Porto não pretendia ser somente um adversário ocasional, mas sim permanente. À medida de um líder secessionista, PC adoptou um discurso do 'nós e eles', apelidando de mouros quem estava a Sul do Mondego. A verdade é que o seu sucesso está à vista. Não tendo aqui presente os números, o Porto deve ter ganho mais títulos com PC que em toda a sua história prévia. O Porto de hoje adquiriu mesmo uma dimensão internacional. Curiosamente, tanto a nível interno, como externo, a identidade do clube é indissociável da imagem do seu Presidente. Nenhum outro clube na Europa vê os seus adeptos a dedicar cânticos ao seu Presidente, por exemplo.
Face a tudo isto eu só me pergunto o seguinte: se se provar que Pinto da Costa é culpado de diversos crimes de corrupção, como é que fica o Porto e a sua história recente, a sua segunda identidade? É que para o bem ou para o mal, boa parte deste sucesso deixará pairar no ar o cheiro da fraude. Não acreditando que os sucessos do Porto tenham sido obtidos nesses termos, não posso, face a tudo isto, deixar de me interrogar sobre essa possibilidade.

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