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segunda-feira, junho 28, 2004

O futebol dos pequenitos 

Como previsto, checos e holandeses também estão nas meias-finais. Dos favoritos, somente a França ficou pelo caminho. A sua eliminação não era difícil de prever. Com um jogo lento, sem soluções, com um treinador que não arriscou um milímetro, a França foi penosamente afastada deste europeu. Um europeu que mais parece dos pequenitos, tal o domínio dos habitualmente menos ouvidos na Europa de Bruxelas pelos campos de Portugal. Os gigantes, ou antes gigantones, tal a forma como foram gozados, saem sem honra nem glória do mais importante campeonato europeu. A França foi a última, mas já antes, Espanha, Itália, Alemanha e Reino Unido tinham caído. Dos três, que em Nice passaram a cinco, nenhum ficou para contar a história do Europeu - tal como nenhum clube grande ficou para contar a final da Liga dos Campeões. Será que estamos perante a revolta dos pequenos (sim, porque em termos de equipas, a França faz parte dos pequenos)? Sem dúvida.
A questão reside no estilo de jogo dentro das quatro linhas. O futebol está a ficar demasiado rápido, sem tempo para se pensar e o futebol sem ser pensado perde beleza. Está também a atingir um nível táctico que em breve transformará as equipas técnicas em batalhões de treinadores assistentes, à medida do futebol americano. Todos os jogadores são referenciados em termos estatísticos, sabendo-se, exactamente a que minuto passa a bola para esquerda, a posição do corpo quando chuta para a direita ou até o tempo exacto que aguenta dentro de campo ao mais alto nível. Em breve, as substituições far-se-ão por computador, saindo o jogador que menos corre ou que menos remates por posse de bola fez.
No meio de tudo isto, desaparece, lentamente, o lugar mágico do futebol - o 10. Rui Costa e Zidane são os últimos grandes desta espécie, os últimos românticos do futebol. Jogadores que não primam pela rapidez, antes pela forma suave como tratam a bola, pela elegância com que se movem em campo, pela inteligência que incutem ao jogo. Eles transmitem um misto de beleza e ordem que torna o futebol num desporto admirável. Mas isso hoje já não interessa. A beleza pode ser substituída pela velocidade e a ordem pode ser imposta de fora - foi isso que o Mourinho conseguiu fazer no Porto, apesar de Deco.
Em boa verdade, Deco faz parte dos falsos 10, daqueles que jogam com o número, que até ocupam posições semelhantes no relvado, mas que obedecem a uma lógica diferente da dos verdadeiros - têm mais de transpiração que de inspiração. Chamam-lhe o Mágico, mas ele, na verdade, não passa de um mero aprendiz. A sua capacidade técnica é boa e o seu esforço tremendo, mas faltam-lhe os momentos mágicos, aqueles que decidem um campeonato. O 10 não marca golos, só os importantes e no Porto quem os faz é o avançado Derlei e não Deco.
Saltemos para outro 10 da nova geração, Kaká. É um grande jogador que marca golos extraordinários. Substituiu Rui Costa no Milan, porque este já não tem capacidade física para um jogo inteiro ao ritmo do calcio. Kaká corre, joga e marca, mas não para, não coordena o jogo ofensivo da equipa, em suma, não é um 10.
Em boa verdade, estes estão a acabar. Já ninguém permite que um jogador só corra quando lhe apetece, que nunca defenda e que só jogue com a bola nos pés. No futebol actual, todos têm de defender, mesmo que só alguns ataquem; todos têm de correr, mesmo que só alguns joguem. Numa altura em que os jogadores assumem um estatuto de estrelas globais, contribuem cada vez menos para o sucesso das suas equipas, enquanto possuidores de atributos próprios.
É por essa ditadura do colectivo, robusto, defensivo e rápido que os pequenos têm cada vez mais peso. Equipas fisicamente fortes e rápidas são muito mais fáceis de formar, porque não exigem grandes investimentos.
A convergência futebolistica atinge-se, assim, à custa da beleza do jogo. Será um preço justo a pagar?

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